Este número da Gazeta de Física é marcadamente diferente dos anteriores pelo seu conteúdo e pela sua intenção. Com efeito, o seu conteúdo é quase integralmente dedicado à publicação dum conjunto de relatórios sobre a situação da Física em Portugal elaborados por cientistas portugueses conceituados que, para o efeito, foram convidados pela Sociedade Portuguesa de Física.
Este relatório foi-me solicitado pela Direcção da Sociedade Portuguesa de Física no princípio de 1989. Outros relatórios deste género foram encomendados a outras pessoas, sobre outros ramos da Física. A informação e opiniões que se seguem foram baseadas nas respostas a um inquérito que dirigi a um grande número de investigadores portugueses em Física da Matéria Condensada e também no meu conhecimento das actividades e das pessoas que trabalham nesta área. Inevitavelmente, há uma certa subjectividade na leitura que fiz das respostas ao inquérito e nas opiniões que emito. Há também alguma imprecisão nos números que são indicados. Apesar destas deficiências, penso que o relatório poderá despoletar uma reflexão mais aprofundada sobre o sector, a ser feita pela comunidade dos Físicos portugueses, como é intenção da Sociedade Portuguesa de Física.
Por motivos de todos bem conhecidos, em virtude das suas aplicações em domínios estratégicos tão sensíveis como a defesa e a energia, a Física Nuclear foi considerada área prioritária de desenvolvimento dos países industrializados durante as décadas de 30 a 60. Durante esse período a fronteira do conhecimento sobre a constituição última da matéria e as forças fundamentais passava também pela Física Nuclear, o que atraiu para esta área muitos dos espíritos mais brilhantes da época. A partir dos anos 70, um conjunto de factores de índole muito variada conduziu a uma progressiva diminuição dos investimentos em Física Nuclear e do interesse dos jovens por esta ciência. Entre estes factores salientam-se o impasse a que levou a estratégia de paz mundial baseada na destruição total das partes beligerantes, as crescentes preocupações com a preservação do meio ambiente, a percepção do valor estratégico da investigação noutras áreas científicas e a deslocação da fronteira do conhecimento no que concerne à constituição última da matéria. No entanto, a Física Nuclear continua a despertar o interesse tanto dos jovens cientistas como dos governos, devido à existência de um número considerável de questões em aberto e também à importância das suas aplicações tecnológicas. Estes factores têm levado a que os investimentos nesta ciência dos países industrializados se mantenham em níveis relativamente elevados.
Durante a década de 70 concentrou-se no actual Complexo II do INIC (antigo Instituto de Física e Matemática) um elevado número (comparativamente a outras áreas) de físicos doutorados em Física das Altas Energias, também conhecida por Física das Partículas Elementares. Tal ficou a dever-se no início mais ao acaso do que a qualquer esforço consistente em desenvolver esta área. Típico dum País onde os dinheiros para a ID sempre se situaram a níveis do Terceiro Mundo, a esmagadora maioria era constituída por físicos teóricos. Assim em 1980 havia somente um físico experimental doutorado em comparação com oito feóricos. Todos estes doutoramentos foram efectuados no estrangeiro (6 na Europa e 3 nos E.U.A.).
Para a elaboração deste relatório foram consultadas 15 instituições de todo o país, tendo respondido 10, das quais 7 confirmaram efectuar investigação nas áreas de Física Atómica e Molecular (FAM). Estes Centros de Investigação estão maioritariamente concentrados em Lisboa, havendo apenas dois fora da capital (um em Coimbra e outro em Braga). Duas instituições, o Centro de Física da Universidade de Aveiro e o Instituto de Investigação Científica Tropical — Departamento de Ciências da Terra (Lisboa), informaram que, apesar de utilizaram equipamento e técnicas afins à Física Atómica e Molecular, as suas áreas de investigação não se podem inserir correctamente nestes domínios.
A Óptica em Portugal constitui objecto de trabalhos de Investigação e Desenvolvimento em Lisboa e no Porto. Não se contabilizam neste relatório as actividades em que a Óptica é considerada como utensílio adicional para a obtenção de informação (nomeadamente no âmbito da espectroscopia laser, por exemplo); num tal contexto, todas as Universidades deveriam ser referidas. Não foi todavia possível realizar um tal inquérito. Não é fácil identificar em 1990 os limites reais do domínio do saber a que historicamente se chama «óptica». É bem conhecido que as ligações que se têm vindo a reforçar entre a óptica, electrónica, ciências dos materiais e informática, alargando consideravelmente a panóplia de aplicações e constituindo um extraordinário incentivo à descoberta de novos materiais, tecnologias e processos fundamentais, não facilitam a compartimentação do saber em unidades estanques, colocando problemas complexos na identificação e escolha dos objectivos comensuráveis com os recursos. Este facto, aliado ao reconhecimento de um enorme potencial tecnológico e industrial, nem sempre fácil de explorar, determinou alterações estruturais importantes em todos os grupos de óptica, óptica quântica ou opto-electrónica, nos últimos dez anos.
Quando em 1958 a investigação em Física dos Plasmas deixou de ser secreta (II Conferência Internacional sobre a Utilização Pacífica da Energia Atómica em Genève e Projecto Sherwood) e foi assim possibilitada a livre troca de informação neste domínio, a maior parte dos países desenvolvidos criou novos Laboratórios, destinados ao estudo dessa promissora área da Física. Na segunda metade da década de sessenta, através da acção directa do Prof. Abreu Faro e sob financiamento do Instituto de Alta Cultura, foram concedidas bolsas de estudo a vários licenciados por Universidades Portuguesas para, em diversos países, realizarem trabalho de investigação em Física dos Plasmas.
A necessidade de desenvolvimento da Astronomia em Portugal está hoje na ordem do dia. A onze anos do início do Século XXI, a sua situação é de tal gravidade que deve constituir motivo dé preocupação para os Poderes Públicos, e de aturada reflexão em todas as instâncias aonde se decide sobre o desenvolvimento da Investigação no nosso país. Portugal não pode continuar afastado do enorme crescimento que existe a nível internacional, nem das implicações que tem o desenvolvimento da Astronomia para outros domínios. Não só a distância científica que nos separa aumenta todos os anos, o que tornará cada vez mais difícil a recuperação do atraso, mas também o prestígio internacional do país deixa muito a desejar, já que somos o único país da Europa a não possuir Departamentos de Astronomia, o que constitui um dos índices do atraso de mais de século e meio, estando na cauda da Europa, mesmo atrás da Turquia.
Pretendeu a Sociedade Portuguesa de Física (SPF), numa louvável iniciativa, fazer o ponto da situação da Física em Portugal em diversas áreas, incluindo a das Ciências Geofísicas, com base em relatórios aprofundados dessas situações, feitos por personalidades nelas envolvidas e delas, consequentemente, conhecedoras. O trabalho agora apresentado não deve ser considerado um relatório aprofundado; a execução de um tal relatório teria pressuposto uma disponibilidade de tempo por parte do relator, que se revelou incompatível com as tarefas que tem a seu cargo. No entanto, pensa-se que este pequeno relatório constitui uma contribuição válida, ainda que modesta, para o apuramento da situação das Ciências Geofísicas em Portugal, no que respeita ao Ensino e Investigação, capaz de corresponder às intenções da SPF de vir a promover um diálogo responsável com os órgãos de poder, tendo em vista a definição de uma política científica, a curto e médio prazos, no domínio em referência.