Um Nobel para a ciência dos buracos negros… com uma menção à Gazeta de Física!

O prémio Nobel da Física 2020 foi atribuído (metade) a Roger Penrose “pela descoberta que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria da relatividade geral” e (a outra metade, dividida igualmente) a Reinhard Genzel e Andrea Ghez “pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro da nossa galáxia”. E a gazeta de física da Sociedade Portuguesa de Física teve uma honra inesperada.

           O conservador comité Nobel decidiu, em 2020, dar o seu aval de credibilidade a um dos objetos mais exóticos e misteriosos que a física (e a ciência) alguma vez imaginou: o buraco negro.

           Os buracos negros são uma previsão da Relatividade Geral (RG), formulada em 1915 por A. Einstein, que descreve a interação gravitacional como deformações no comportamento do espaço e do tempo. De facto, a primeira solução não-trivial das equações da RG, descoberta por K. Schwarzschild e publicada em 1916, descreve um buraco negro, o que, no entanto, só foi completamente compreendido por volta de 1960.

           A questão central tornou-se, à altura, se os buracos negros, apesar de soluções das equações, realmente se podiam formar por processos dinâmicos e se essa formação seria genérica, ou se exigiria condições específicas e improváveis. Em 1939 J. R. Oppenheimer e H. Snyder demonstraram que um buraco negro se podia formar, mas apenas nas condições (pouco realistas) de uma estrela colapsar de uma maneira perfeitamente esférica. Questionava-se se os buracos negros seriam um artefacto de simetrias irrealistas. O trabalho de R. Penrose foi demonstrar que a formação de um buraco negro é uma previsão robusta da RG, ocorrendo em condições genéricas.

           Em 1965, Penrose estabelece o que se tornaria conhecido como primeiro teorema de singularidade. Para isso Penrose introduz várias ideias originais, em particular a de superfície aprisionada.  Penrose define uma região cuja gravidade aprisiona, e que pode ser vista como a região de um buraco negro. Isto permite-lhe discutir a formação de um buraco negro sem invocar qualquer simetria. Adicionalmente, Penrose demonstra que se a região aprisionada se forma, no seu interior há uma singularidade,  um “ponto” onde o comportamento do espaço e do tempo deixa de ser suave. A primeira metade do Prémio Nobel premeia, deste modo, a demonstração teórica que a  existência de buracos negros (e de singularidades no seu interior) são consequências genéricas (e como tal robustas) da RG.

           Mas, apesar da robustez teórica, será que os buracos negros são mesmo realizados na Natureza?  Existem? A segunda metade do Nobel premeia uma parte da evidência observacional para a existência de objetos compactos supermassivos, que são genericamente interpretados como buracos negros. Duas equipas, uma nos EUA, liderada por Ghez, e uma na Europa, liderada por Genzel, observaram ao longo de cerca de 3 décadas o movimento de um conjunto de estrelas muito próximas do centro da Via Láctea. Uma destas estrelas, denominada por S2, tem uma órbita de cerca de 16 anos em torno do centro da galáxia. Por comparação o Sol demora 200 milhões de anos a completar uma órbita em torno do centro galáctico. Observando estas estrelas conclui-se que existe no centro da galáxia, numa região compacta, uma massa de cerca de 4 milhões de massas solares. A única explicação possível, com a física conhecida, é que este objeto é um buraco negro. 

           É importante realçar que esta observação adicionam-se a outras evidências observacionais para os buracos negros, incluindo as ondas gravitacionais detetadas a partir de 2015, a imagem do buraco negro supermassivo M87* divulgada em 2019, para além de outras evidências mais tradicionais de fontes de raios X e ondas rádio conhecidas há várias décadas. Certamente, todas estas evidências contribuíram para convencer o comité Nobel a premiar a ciência dos buracos negros.

           E no meio deste prémio Nobel houve uma inesperada surpresa. No documento explicativo da ciência do prémio Nobel (ver aqui), o Comité Nobel refere um artigo publicado na Gazeta de Física (ver aqui e a tradução em inglês aqui), da autoria de C. Herdeiro e J. Lemos sobre a história da génese do termo “buraco negro”, onde se argumenta que este termo deve ser atribuído a uma  parceria entre J. Wheeler e R. Dicke.

           Muitos parabéns à Gazeta de Física, que passou a ser parte da família Nobel!

 

Carlos Herdeiro

Universidade de Aveiro


Artigo da Gazeta de Fisica citado no Scientific Background on the Nobel Prize in Physics 2020 (pág.18)

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Herdeiro, C. A. R, and Lemos, J. P. S., 2018, “The black hole fifty years after: Genesis of the name”, Gazeta de Fisica, 41(2), 2. arXiv: 1811.06587.

:: versão inglesa ::

Notícia Jornal Público :https://www.publico.pt/2020/10/06/ciencia/noticia/nobel-fisica-2020-trabalhos-buracos-negros-1934067


Publicado/editado: 05/10/2020

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